segunda-feira, 9 de julho de 2012

“A caça às baleias deveria ser discutida em um fórum ético”



O veterinário Milton Marcondes, coordenador de pesquisa e conservação do Instituto Baleia Jubarte, acredita que o debate sobre a volta ou não da caça às baleias não deveria ser discutido em uma conferência científica nem da indústria baleeira. Para ele, a questão é ética. É o que ele explica no artigo abaixo, enviado agoradireto da reunião da Comissão Baleeira Internacional, em Marrocos, que termina na sexta.

Muita coisa tem sido dita e publicada nos últimos dias em relação à caça as baleias. Este é um assunto que sempre gera muita polêmica, pois contrapõe pontos de vista diametralmente opostos (caçar versus conservar) e também mistura o lado racional com o emocional.

Para complicar um pouco mais, trata-se de uma questão muito mais complexa do que pode parecer num primeiro momento. O Japão defende com unhas e dentes a caça não somente porque gosta de carne de baleia, ou porque é uma atividade dita “tradicional”. Nem é pelo lucro que se obtém com o comércio das baleias, afinal o Japão gasta muito mais para ter um bloco de países que vota alinhado com ele do que ganha com a comercialização das baleias. O Japão não quer correr o risco de que a proibição da caça as baleias seja um precedente, e que depois das baleias queiram proibir a pesca de atum, ou de outros recursos pesqueiros. Também envolve a capacidade do país formar um bloco de apoio que vota com ele e garante respaldo à sua política em relação à indústria pesqueira. Algo análogo ao apoio que alguns países dão aos Estados Unidos quando ele resolve desafiar uma resolução da ONU e invadir um país. Trata-se portanto de uma disputa de Poder.
Deixando a geopolítica de lado, o fato mais relevante do meu ponto de vista é que, desde que o primeiro navio zarpou para pescar uma baleia, lá pelo século XII, fosse com navios a vela e arpões lançados manualmente ou com navios-fábrica e canhões disparando o arpão, todas as populações caçadas foram drasticamente reduzidas, algumas ficando a beira da extinção. A diferença é que na época dos navios a vela levavam décadas para reduzir uma população, enquanto nos tempos modernos o colapso se dá em poucos anos.
Baleias são animais grandes, de vida longa e quase sem predadores naturais. Por isso são animais de reprodução lenta. A Jubarte leva de cinco a seis anos para atingir a maturidade sexual. Atingida a maturidade, ela tem um período de gestação de 11 meses e dá luz a um único filhote, que fica quase um ano dependente da mãe. Em geral, ela vai ter um filhote a cada dois ou três anos de vida. Nos primeiros 10 anos, uma baleia vai ter um ou dois filhotes no máximo. Quantas baleias os caçadores matavam no mesmo período? Milhares! Caçar baleias, em escala comercial, não é uma atividade sustentável!
Desde que a Comissão Internacional Baleeira (IWC) foi criada em 1946, ela vem buscando um mecanismo que permita estabelecer cotas de caça e que garanta a conservação das baleias. Após 40 anos de fracasso foi necessário estabelecer, em 1986, uma moratória à caça comercial para permitir que algumas populações de baleia pudessem ter uma chance de se recuperar.
Como toda deliberação da IWC, se questionada num prazo de três meses, não precisa ser acatada, a Noruega questionou e seguiu caçando comercialmente. O Japão foi contra a moratória, mas não questionou. Ele buscou uma brecha na legislação. A caça com fins científicos (que ninguém fazia até então) poderia ter a cota estabelecida pelo próprio país. O Japão passou desde então a caçar baleias para fazer pesquisa e mandar o excedente de carne para o mercado. Caça inclusive dentro do Santuário do Oceano Austral, uma área criada para proteger as baleias.
Hoje a IWC está imobilizada pois o bloco de apoio ao Japão se iguala aos países conservacionistas. Como são necessários três quartos de votos para a tomada de decisões, a balança permanece imobilizada e não pende nem para o lado pró-caça nem para o lado conservacionista. A IWC é um órgão anacrônico. Uma Comissão criada por países caçadores, com objetivos e regulamentos da década de 40, tentando estabelecer regras em um mundo onde os valores e interesses são muito distintos de 64 anos atrás.
A proposta de “consenso”, apresentada nesta reunião da IWC em Agadir – Marrocos, era uma tentativa de sair desta imobilidade. Tentar fazer a IWC voltar a ser um órgão deliberativo. Mas isso significava fazer a balança pender para um dos lados. Como a proposta procurava atender aos dois lados ela nasceu morta. Não agradou aos países caçadores nem aos conservacionistas.
Por um lado ela acenava ao Japão, Noruega e Islândia que somente os três poderiam caçar pelos próximos dez anos. Estabelecia uma cota de caça comercial de baleias Minke para o Japão, legitimizava a caça “científica” dentro do Santuário Austral, oferecia cotas de caça de baleias Fin, baleias da Groenlândia, baleias Cinzenta, baleias Sei e baleias de Bryde. Para os países conservacionistas, ela oferecia a volta ao controle da caça pela IWC (inclusive da caça científica), criaria o Santuário do Atlântico Sul (uma proposta que o Japão sistematicamente combateu na última década), e oferecia uma redução do abate de 4.000 baleias num prazo de 10 anos.
O Japão achou os números muito baixos. A Coréia do Sul, que é do bloco caçador, reclamou que ela seguiu as regras do jogo e agora se veria proibida de caçar pelos próximos dez anos, enquanto o Japão seria “premiado”. Para os países conservacionistas uma cota comercial significaria o final da moratória. A legalização da caça dentro do Santuário Austral tornaria este (e o do Atlântico) inútil. Além disso, a proposta traria um retrocesso pois estabeleceria cotas sem critério técnico (caso das baleias fin). E embora ao final de dez anos fossem caçadas menos baleias, aumentaria a caça sobre uma população de minkes que se encontra ameaçada (conhecida como estoque J). Isso sem falar na legalização da caça científica.
Assim, não basta olhar apenas os números e ver quantos animais serão caçados ou salvos. Baleias não são números. Elas têm a capacidade de fascinar os seres humanos. Nos impressionam pelo tamanho e pela docilidade, formam laços muito fortes entre a mãe e seu filhote. Para muitas pessoas, e eu me incluo nelas, caçar baleias é algo inaceitável. Não deveria ser discutido em um fórum político ou científico, mas sim, em um fórum ético.
Ainda não será desta vez que irá se chegar a um acordo. O Japão, a Noruega e a Groenlândia vão continuar caçando baleias e os ambientalistas continuarão a colocar seus barcos diante dos navios baleeiros. Esta é uma história que, infelizmente, parece longe de ter um final.
(Alexandre Mansur)

Fonte: Blog Época

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