segunda-feira, 2 de julho de 2012

O azul da Terra

Apenas 2,7% da água do planeta é própria para o consumo. Tire daí o que está congelado nos polos e sobra menos de 1%. Moral da história: ou cuidamos da água ou ficamos sem ela 
“A Terra é azul”, constatou Yuri Gagarin, o primeiro e privilegiado astronauta que a avistou lá de cima. E é azul porque tem 1,5 bilhão de quilômetros cúbicos de água. Tomando apenas sua extensão de superfície, temos 70% mais água do que terra firme no planeta. O ciclo é perfeito e interminável: o Sol aquece o solo, os rios e os mares; então, o vapor sobe, agrega-se formando nuvens, daí cai em chuva, alimentando rios, lagos, represas e lençóis subterrâneos. É assim desde que o mundo é mundo, o que nos leva a pensar que água é um recurso natural abundante e inesgotável. Não é.
Apenas 2,7% desse 1,5 bilhão de quilômetros cúbicos é de água doce, própria para consumo. Mais: dessa já pequena porcentagem, grande parte está congelada nas regiões polares. Somente 0,7% está escondida no subsolo e mísero 0,007% está na forma de rios e de lagos. Se pegarmos uma garrafa com 1,5 litro de água e a dividirmos proporcionalmente, como a encontramos no planeta, a quantidade de água doce disponível seria equivalente a uma única e insignificante gota. Para complicar as coisas, esse pouco que temos está cada vez mais poluído, especialmente nos grandes aglomerados urbanos. Cerca de dez milhões de pessoas morrem todo ano por causa do consumo de água contaminada.
Há 150 anos a possibilidade de escassez era coisa de malucos. Só que, no século 20, a população mundial triplicou. Mais gente quer dizer mais fábricas, mais desperdício e, principalmente, mais irrigação nas lavouras. Resultado: o consumo de água nesse período acabou aumentando seis vezes! De acordo com o Banco Mundial, cerca de 80 países, hoje, enfrentam problemas de abastecimento. “Mais de um bilhão de pessoas não têm acesso a fontes de água de qualidade”, acrescenta Kofi Annan, secretário geral das Nações Unidas (ONU).
Nos países desenvolvidos, ocorre contaminação das águas por resíduos industriais e, principalmente, por nitratos de sódio, cálcio e potássio encontrados nos fertilizantes usados na agricultura. Esses nitratos, altamente cancerígenos, infiltram-se na terra e, com a ajuda da chuva, são carregados para rios, lagos e lençóis freáticos. Nos países menos desenvolvidos, a questão da água doce e limpa está relacionada ao desperdício, mas principalmente ao esgoto. “Cerca de dois e meio bilhões de pessoas no mundo vivem sem saneamento básico”, garante Annan, da ONU. Ou seja, pouco menos da metade dos seres humanos continua jogando seus dejetos na água – ou na terra, que, no fim, leva à água. Na Ásia, 850 bilhões de litros de esgoto são despejados nos cursos d’água anualmente. Levando em conta que cada litro de sujeira inutiliza 10 litros de água, a idéia de escassez não é, definitivamente, coisa de malucos.
No Brasil, com exceção da região Norte e parte do Centro-Oeste, onde estão as terras alagadiças do Pantanal, a situação dos recursos hídricos começa a ficar preocupante. Falta água na maioria das bacias do Nordeste, na Grande São Paulo, em regiões de Minas Gerais, Bahia e em algumas áreas do Rio Grande do Sul. “O Brasil dispõe de 16% da água doce do planeta, mas sua distribuição é muito irregular”, diz Paulo Paim, coordenador do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas. Cerca de 68% de nossos recursos hídricos estão no Norte, onde tem menos gente. Apenas 3% estão no Nordeste e 6% no Sudeste, onde, ao contrário, sobra gente.
 O que pode ser feito
Para evitar a crise da água, serão necessárias doses de bom senso e muito dinheiro. Teremos de evitar o desperdício, interromper os processos poluidores e criar novas maneiras de captação, controle e distribuição. Em alguns países desenvolvidos, a água do esgoto é tratada e depois reaproveitada. No município americano de Orange County, onde fica a Disneylândia, a população bebe água de esgoto reciclada há mais de 20 anos. O mesmo acontece no Estado do Arizona, onde 80% do esgoto vai para as torneiras. De acordo com dados do Departamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional da Terra, o Japão reutiliza cerca de 80% de toda a água destinada à indústria. No noroeste da Índia, lençóis freáticos foram salvos com uma idéia barata – e pra lá de óbvia: poços no quintal para recolher água da chuva!
Na maioria dos países já existe consenso a respeito da cobrança pelo uso da água bruta – aquela que é captada sem tratamento, diretamente de rios, lagos ou represas. Há anos a França implantou essa política, cobrando a água bruta usada em irrigação, uso doméstico e industrial e, assim, tem minimizado seus problemas. O Japão cobra caro por toda a água tirada de seus reservatórios, tornando o reaproveitamento quase uma obrigação. Vale lembrar que na maioria dos países, inclusive no Brasil, paga-se pelo serviço de fornecimento da água, não pela água em si. Os críticos do esquema de cobrança, porém, alegam que os mais pobres são prejudicados com essa medida. Ou seja, podem até acontecer revisões nesse capítulo, mas, em países onde a falta de água potável é crítica, a cobrança está se tornando fundamental.
Em Israel, além do pagamento por toda a água consumida, estão em voga multas pesadíssimas para quem polui e desperdiça. “Buscamos um programa de manejo que permita diminuir perdas e punir o desperdício”, comenta o consultor internacional de Israel, Baruch Gornat. O país também investe em novas técnicas de irrigação – 70% da agricultura recebe água residual, ou seja, já utilizada e devidamente tratada – e em dessalinização da água do mar – um processo caro, mas que, no futuro, pode se popularizar e custar menos.
A idéia da cobrança já circula por aqui. O Fórum Nacional de Comitês de Bacias, que reuniu a população, instituições governamentais e não-governamentais, concluiu que está na hora de pensar na cobrança da água, de fiscalizar mais e punir com rigor os poluidores. Ficou estabelecido também que o dinheiro arrecadado com cobranças e multas deverá ser revertido em favor das bacias hidrográficas, focando investimentos na despoluição e na instalação de redes de esgotos. Por sua vez, a Agência Nacional da Água (ANA), criada pelo governo federal para gerenciar a quantidade e a qualidade da água, está destinando, este ano, 107 milhões de reais a empresas que implantarem e operarem estações de esgotos sanitários nas bacias.
Se, guardadas as diferenças e necessidades de cada país e região, essas medidas forem levadas adiante, em um futuro próximo poderemos ter mais água limpa e mais rios salvos da morte. Há exemplos como o do Rio Tâmisa, na Inglaterra, recuperado à custa de dinheiro e de boa vontade . E há também idéias insólitas, como a do Paquistão, que pensa em derreter as geleiras acumuladas em suas altas montanhas, entre elas as do Himalaia. “Não terminamos nosso estudo ainda, mas achamos que podemos acelerar o derretimento da neve aspergindo carbono preto”, disse, numa entrevista, o diretor geral do escritório de meteorologia do Paquistão, Qamar-Uz-Zaman Chaudhry.
No dia-a-dia, cada um de seu jeito, podemos ajudar de alguma forma. Estamos acostumados a escovar os dentes com a torneira aberta, passamos muito mais tempo do que o necessário no chuveiro e, em geral, não falamos nada quando o vizinho lava o carro e deixa a mangueira derramando na calçada. Um estudo recente da Agência Nacional da Água revela que cada brasileiro usa, todo dia, pelo menos 200 litros do – temos de convir – precioso líquido. Será que precisamos mesmo de tanto?

por Afonso Capelas Júnior

Fonte: Superinteressante 

Nenhum comentário:

Postar um comentário