terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Zimbabuanos sorriem mesmo à beira do caos. Parte 2

O sistema de saúde não existe, a expectativa de vida é de 37 anos, a economia ruiu, mas eles não deixam de sorrir nos campos de refugiados sonhando com dias melhores na vizinha África do Sul.
O turismo na África não é só feito de safáris


              Nesta semana em que o jornalismo da Rede Globo ganhou mais uma base de correspondentes internacionais, nós vamos levá-lo para uma viagem pelo continente africano, com os repórteres Renato Ribeiro e Edu Bernardes.

             Na reportagem desta terça, você vai conhecer um país que está à beira do caos e os milhões de pessoas que fogem dele em busca de uma vida melhor.
              Sorrisos são muitos na fronteira entre o Zimbábue e a África do Sul, embora não haja motivos para se exibir rostos felizes. Não fosse o que move todos: a esperança.
              Esta é a África dos contrastes. Joanesburgo, maior cidade sul-africana, é a mais rica de todo o continente e a apenas 500 quilômetros está um país falido: o Zimbábue.
               Robert Mugabe foi o herói da independência. No poder há 29 anos, conduziu seu povo ao caos. Sistema de saúde não existe. Isso diante de uma epidemia de cólera, que já matou 3 mil pessoas e contaminou outras 60 mil. A expectativa de vida é de apenas 37 anos.
              A economia ruiu, a inflação é de 98% ao dia, o que cria monstros como uma nota cheia de zeros. São cinco bilhões de dólares zimbabuanos. "Não se compra nada com isso", diz uma mulher.
               De tão desvalorizado, o dólar zimbabuano acaba de ser extinto. Desde segunda, o governo adotou como moedas oficiais o dólar, o euro e o rand sul-africano. Oito de cada dez pessoas estão desempregadas. Só há uma saída: ir embora.
               Do outro lado da margem do Rio Limpopo está o Zimbábue. Nos últimos anos, três milhões de zimbabuanos, segundo estimativas, nadaram pelo rio, passaram por grades e entraram ilegalmente na África do Sul em busca de uma vida melhor.
               Musina, no lado sul-africano, fica a apenas 13 quilômetros de Beitbridge, no Zimbábue. Um campo de refugiados é a porta de entrada dos zimbabuanos. Eles dormem na rua, não tem comida, água. Homens e mulheres à mercê da sorte e em busca de um visto de residente.
               Um homem era mecânico no Zimbábue, agora não tem nada. Ele nos convida para mostrar onde vive: debaixo de uma árvore. Tudo o que tem é uma jaqueta, um saco com um xampu e um sabonete e outra muda de roupa.
               Montla, de 19 anos, só tem a roupa do corpo e um pedaço de papelão, onde dorme. Apesar de todas as dificuldades, os sonhos são altos. "Um sonho: quero ser presidente. Sei que não vou fazer o que Mugabe faz".
              O campo tem banheiros químicos, que não são limpos diariamente. Mas, ainda assim, eles se divertem. Tarde de domingo, hora de futebol entre os refugiados. E não falta uma camisa bem familiar. "Ronaldinho, o número 10 do Brasil. Quero ser como ele", diz o rapaz de 17 anos.
              Perto do campo de refugiados, encontramos uma pequena igreja católica. Nela, padre Adrian cuida de 80 mulheres. "Elas fogem da desnutrição e da falta de estrutura no Zimbábue", explica ele.
               A pedido das Nações Unidas, as mulheres dormem separadas dos homens. São abrigadas dentro da igreja para evitar estupros, o que vinha sendo comum no local. O momento mais esperado por elas é a única refeição do dia. Uma espécie de purê de milho, batata e um pouco de carne.
              Enquanto comem com as mãos, não se ouve nada. Silêncio. Para elas, pensar no futuro é pensar até amanhã, até a próxima refeição.
              Quando aparecem autoridades sul-africanas, alguns são premiados com um papel. Não é um visto, é apenas uma autorização para permanecer seis meses no país.
               Eles pegam a estrada e vão até a metrópole, mas em Joanesburgo a situação é pior. Não há emprego. Quem chega é abrigado na Igreja Metodista no centro da cidade.
               As condições são precárias. Os refugiados ficam pelas ruas. Banheiros foram colocados na calçada. Eles não querem ser filmados. Entramos por apenas alguns minutos na igreja. Pessoas espalhadas pelas escadas, pelos corredores, comendo pelo chão.O lugar é escuro e, pela TV, não é possível sentir o mau-cheiro.
              Ao chegar a Joanesburgo, os zimbabuanos percebem que o futuro não será fácil. Chegaram numa cidade rica, mas estão tão perto e ao mesmo tempo tão longe de uma oportunidade. Ainda assim, é melhor do que ficar no Zimbábue.
              Enquanto Mugabe não sai do poder, enquanto as soluções não aparecem, os zimbabuanos seguem lutando com o que tem e o que lhes dá força: um simples sorriso.
            

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